O Evangelho deste domingo é sobre a necessidade de perdoar sempre, de forma radical e ilimitada. Trata-se – todos estamos conscientes do facto – de uma das exigências mais difíceis que Jesus nos faz. No entanto não há, neste campo, meias tintas, dúvidas, evasivas, desculpas: trata-se de um valor fundamental da proposta de Jesus. Ele deu testemunho, em gestos concretos, do amor, da bondade e da misericórdia do Pai. Na cruz, ele morreu pedindo perdão para os seus assassinos… Ora o cristão é, antes de mais, um seguidor de Jesus. Pessoalmente, como é que me situo face a isto?
O perdão e a misericórdia tornam-se ainda mais complicados à luz dos valores que presidem à construção do nosso mundo. O “mundo” considera que perdoar é próprio dos fracos, dos vencidos, dos que desistem de impor a sua personalidade e a sua visão do mundo; Deus considera que perdoar é dos fortes, dos que sabem o que é verdadeiramente importante, dos que estão dispostos a renunciar ao seu orgulho e auto-suficiência para apostar num mundo novo, marcado por relações novas e verdadeiras entre os homens. Na verdade, a lógica do mundo só tem aumentado a espiral de violência, de injustiça, de morte; a lógica de Deus tem ajudado a mudar os corações e frutificado em gestos de amor, de partilha, de diálogo e de comunhão. Para mim, qual destas duas propostas faz mais sentido? Qual destes dois caminhos pode ajudar a instaurar uma realidade mais humana, mais harmoniosa, mais feliz?
O que significa, realmente, perdoar? Significa ceder sempre diante daqueles que nos magoam e nos ofendem? Significa encolher os ombros e seguir adiante quando nos confrontamos com uma situação que causa morte e sofrimento a nós ou a outros nossos irmãos? Significa “deixar correr” enquanto forem coisas que não nos afectem directamente? Significa pactuar com a injustiça e a opressão? Significa tolerar tudo num silêncio feito de cobardia e de conformismo? Não. O perdão não pode ser confundido com passividade, com alienação, com conformismo, com cobardia, com indiferença… O cristão, diante da injustiça e da maldade, não esconde a cabeça na areia, fingindo que não viu nada… O cristão não aceita o pecado e não se cala diante do que está errado; mas não guarda rancor para com o irmão que falhou, nem permite que as falhas derrubem as possibilidades de encontro, de comunhão, de diálogo, de partilha… Perdoar não significa isolar-se num silêncio ofendido, ou demitir-se das responsabilidades na construção de um mundo novo e melhor; mas significa estar sempre disposto a ir ao encontro, a estender a mão, a recomeçar o diálogo, a dar outra oportunidade.
Este Evangelho recorda-nos – talvez ainda de forma mais clara e concludente – aquilo que a primeira leitura já sugeria: quem faz a experiência do perdão de Deus, envolve-se numa lógica de misericórdia que tem, necessariamente, implicações na forma de abordar os irmãos que falharam. Não podemos dizer que Deus não perdoa a quem é incapaz de perdoar aos irmãos; mas podemos dizer que experimentar o amor de Deus e deixar-se transformar por Ele significa assumir uma outra atitude para com os irmãos, uma atitude marcada pela bondade, pela compreensão, pela misericórdia, pelo acolhimento, pelo amor.(Dehonianos)
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