A não-violência: estilo de uma política para a paz
No início deste novo ano, formulo sinceros votos de
paz aos povos e nações do mundo inteiro, aos chefes de Estado e de governo, bem
como aos responsáveis das Comunidades Religiosas e das várias expressões da
sociedade civil. Almejo paz a todo o homem, mulher, menino e menina, e rezo
para que a imagem e semelhança de Deus em cada pessoa nos permitam
reconhecer-nos mutuamente como dons sagrados com uma dignidade imensa.
Sobretudo nas situações de conflito, respeitemos esta «dignidade mais profunda»
e façamos da não-violência ativa o nosso estilo de vida.
(...) Nesta ocasião, desejo deter-me na não-violência
como estilo duma política de paz, e peço a Deus que nos ajude, a todos nós, a
inspirar na não-violência as profundezas dos nossos sentimentos e valores
pessoais. Sejam a caridade e a não-violência a guiar o modo como nos tratamos
uns aos outros nas relações interpessoais, sociais e internacionais. Quando
sabem resistir à tentação da vingança, as vítimas da violência podem ser os
protagonistas mais credíveis de processos não-violentos de construção da paz.
Desde o nível local e diário até ao nível da ordem mundial, possa a
não-violência tornar-se o estilo caraterístico das nossas decisões, dos nossos
relacionamentos, das nossas ações, da política em todas as suas formas.
A violência não é o remédio para o nosso mundo
dilacerado. Responder à violência com a violência leva, na melhor das
hipóteses, a migrações forçadas e a atrozes sofrimentos, porque grandes
quantidades de recursos são destinadas a fins militares e subtraídas às
exigências do dia-a-dia dos jovens, das famílias em dificuldade, dos idosos,
dos doentes, da grande maioria dos habitantes da terra. No pior dos casos, pode
levar à morte física e espiritual de muitos, se não mesmo de todos.
(...) O próprio Jesus viveu em tempos de violência.
Ensinou que o verdadeiro campo de batalha, onde se defrontam a violência e a
paz, é o coração humano: «Porque é do interior do coração dos homens que saem
os maus pensamentos» (Marcos 7, 21). Mas, perante esta realidade, a resposta que oferece a
mensagem de Cristo é radicalmente positiva: Ele pregou incansavelmente o amor
incondicional de Deus, que acolhe e perdoa, e ensinou os seus discípulos a amar
os inimigos (cf. Mateus 5, 44) e a oferecer a outra face (cf. Mateus 5, 39). Quando impediu, aqueles que acusavam a adúltera, de a
lapidar (cf. João 8, 1-11) e na noite antes de morrer, quando
disse a Pedro para repor a espada na bainha (cf. Mateus 26, 52), Jesus traçou o caminho da não-violência que Ele percorreu até ao fim,
até à cruz, tendo assim estabelecido a paz e destruído a hostilidade (cf. Efésios 2, 14-16). Por isso, quem acolhe a Boa Nova de Jesus, sabe
reconhecer a violência que carrega dentro de si e deixa-se curar pela
misericórdia de Deus, tornando-se assim, por sua vez, instrumento de
reconciliação, como exortava São Francisco de Assis: «A paz que anunciais com
os lábios, conservai-a ainda mais abundante nos vossos corações».
Hoje, ser verdadeiro discípulo de Jesus significa
aderir também à sua proposta de não-violência.
(...) Por vezes, entende-se a não-violência como rendição,
negligência e passividade, mas, na realidade, não é isso. Quando a Madre Teresa
recebeu o Prémio Nobel da Paz em 1979, declarou claramente qual era a sua ideia
de não-violência ativa: «Na nossa família, não temos necessidade de bombas e de
armas, não precisamos de destruir para edificar a paz, mas apenas de estar
juntos, de nos amarmos uns aos outros (…). Se a origem donde brota a violência
é o coração humano, então é fundamental começar por percorrer a senda da
não-violência dentro da família. Esta constitui o cadinho indispensável no qual
cônjuges, pais e filhos, irmãos e irmãs aprendem a comunicar e a cuidar uns dos
outros desinteressadamente e onde os atritos, ou mesmo os conflitos, devem ser
superados, não pela força, mas com o diálogo, o respeito, a busca do bem do
outro, a misericórdia e o perdão. [16] A partir da família, a alegria do amor
propaga-se pelo mundo, irradiando para toda a sociedade. (...) Aliás, uma ética
de fraternidade e coexistência pacífica entre as pessoas e entre os povos não
se pode basear na lógica do medo, da violência e do fechamento, mas na
responsabilidade, no respeito e no diálogo sincero.
(...) A
construção da paz por meio da não-violência ativa é um elemento necessário e
coerente com os esforços contínuos da Igreja para limitar o uso da força através
das normas morais, mediante a sua participação nos trabalhos das instituições
internacionais e graças à competente contribuição de muitos cristãos para a
elaboração da legislação a todos os níveis. O próprio Jesus nos oferece um
«manual» desta estratégia de construção da paz no chamado Sermão da Montanha.
As oito Bem-aventuranças (cf. Mateus
5, 3-10) traçam o perfil da pessoa que
podemos definir feliz, boa e autêntica. Felizes os mansos – diz Jesus –, os
misericordiosos, os pacificadores, os puros de coração, os que têm fome e sede
de justiça.
Este é um programa e um desafio também para os
líderes políticos e religiosos, para os responsáveis das instituições
internacionais e os dirigentes das empresas e dos meios de comunicação social
de todo o mundo: aplicar as Bem-aventuranças na forma como exercem as suas
responsabilidades.