JÁ NÃO
ESCRAVOS, MAS IRMÃOS
No início dum novo ano, que acolhemos como uma graça e um dom de Deus para
a humanidade, desejo dirigir, a cada homem e mulher, bem como a todos os povos
e nações do mundo, (…), os meus ardentes votos de paz, que acompanho com a
minha oração a fim de que cessem as guerras, os conflitos e os inúmeros
sofrimentos provocados quer pela mão do homem quer por velhas e novas epidemias
e pelos efeitos devastadores das calamidades naturais.
Rezo de modo particular
para que, respondendo à nossa vocação comum de colaborar com Deus e com todas
as pessoas de boa vontade para a promoção da concórdia e da paz no mundo,
saibamos resistir à tentação de nos comportarmos de forma não digna da nossa
humanidade. (…)
Mas, apesar de os irmãos estarem ligados por nascimento e possuírem a mesma
natureza e a mesma dignidade, a fraternidade exprime também a multiplicidade e
a diferença que existe entre eles.
Por conseguinte, como irmãos e irmãs, todas
as pessoas estão, por natureza, relacionadas umas com as outras, cada qual com
a própria especificidade e todas partilhando a mesma origem, natureza e
dignidade. Em virtude disso, a fraternidade constitui a rede de relações
fundamentais para a construção da família humana criada por Deus. (…)
Infelizmente, entre a primeira criação narrada no livro do Génesis e o novo
nascimento em Cristo – que torna, os crentes, irmãos e irmãs do «primogénito de
muitos irmãos» (Rom 8, 29) –, existe a realidade negativa do pecado, que
interrompe tantas vezes a nossa fraternidade de criaturas e deforma
continuamente a beleza e nobreza de sermos irmãos e irmãs da mesma família
humana. (…)
Mas, apesar de a comunidade internacional ter adotado numerosos acordos
para pôr termo à escravatura em todas as suas formas e ter lançado diversas
estratégias para combater este fenómeno, ainda hoje milhões de pessoas –
crianças, homens e mulheres de todas as idades – são privadas da liberdade e
constrangidas a viver em condições semelhantes às da escravatura. (…)
Hoje como ontem, na raiz da escravatura, está uma conceção da pessoa humana
que admite a possibilidade de a tratar como um objeto. Quando o pecado corrompe
o coração do homem e o afasta do seu Criador e dos seus semelhantes, estes
deixam de ser sentidos como seres de igual dignidade, como irmãos e irmãs em
humanidade, passando a ser vistos como objetos. Com a força, o engano, a coação
física ou psicológica, a pessoa humana – criada à imagem e semelhança de Deus –
é privada da liberdade, mercantilizada, reduzida a propriedade de alguém; é
tratada como meio, e não como fim. (…)
Nesta perspetiva, desejo convidar cada um, segundo a respetiva missão e
responsabilidades particulares, a realizar gestos de fraternidade a bem de
quantos são mantidos em estado de servidão. (…)
A globalização da indiferença, que hoje pesa sobre a vida de tantas irmãs e
de tantos irmãos, requer de todos nós que nos façamos artífices duma
globalização da solidariedade e da fraternidade que possa devolver-lhes a
esperança e levá-los a retomar, com coragem, o caminho através dos problemas do
nosso tempo e as novas perspetivas que este traz consigo e que Deus coloca nas
nossas mãos. (…)